Raissa Heloísa

Nos conhecemos de forma completamente despretenciosa. É o que parece, à primeira vista.

No entanto, estávamos nos buscando e nos fugindo há alguns vários anos.

Raissa nasceu e cresceu em Salvador-BA. Eu nasci em Americana - SP e cresci em Londrina - PR.

Aos quinze anos, minha avó, viajadeira que era, me convidou para um cruzeiro - foi quando conheci Salvador.

Sempre fui muito econômica, mas, ao pisar os pés em terras soteropolitanos, algo me envolveu completamente, me enchendo de euforia e de uma necessidade incontrolável de deixar uma parte de mim por lá. Em apenas uma hora, cheguei sem frustração alguma para minha senhora: vó, meu dinheiro acabou. Foi apenas um dia na cidade, mas fui embora com a certeza de que aquela era minha cidade preferida. Voltei algumas vezes a Salvador antes de conhecer Rai, e essa certeza ganhou cortonos ainda mais concretos. 

Rai tinha recém feito 19 anos quando deixou os pais rumo a Londrina, atrás de um amor até então escondido (calma, ainda não era seu verdadeiro amor - eu). Entre muita confusão e gritaria, ela arrumou sua trouxa e se mudou para a cidade onde cresci. Lá morou por quase 5 anos - fez faculdade e grande amigos, terminou e recomeçou namoros, e conheceu o maracatu, o que nos uniria poucos anos depois. 

Em minha imaginação, nos cruzamos cinematograficamente algumas vezes na cidade paranaense, mas não há nenhuma evidência dessas minhas elocubrações. 

Em 2018, Rai foi fazer mestrado na UnB, instituição que eu estava deixando naquele mesmo ano. Nosso pega-pega permanecia apenas na correria, até que um belo dia fui convidada para um ensaio do Baque Mulher - grupo de maracatu apenas de mulheres, criado e coordenado por Mestra Joana Cavalcante, com sede em  Recife, que havia criado sua filial brasiliense havia pouco tempo. Sempre amei música, tocava alguns instrumentos, mas a participação no maracatu nunca me interessou muito, pelo azedume que a apropriação de tradições afrobrasileiras por pessoas brancas no planalto central me causava. No entanto, minha grande amiga Ladyane, com quem morava à época, era apaixonada por maracatu e tinha até uma alfaia - instrumento que eu pouco ou nada conhecia. Repassei a ela o convite e fomos juntas ao ensaio. 
Chegando lá, uma das primeiras coisas que vi não foi o número de tambores ou as cores vibrantes dos agbês, mas Raissa. Toda séria, ensinando aquelas mulheres a segurarem o pesado tambor de forma que ele fosse guiado pelo joelho esquerdo, a bater o bate e o rebate no tempo perfeito do ti-can-ti-can-can que ela passava, coordenando o ritmo com os pés direito e esquerdo. 

Naquele momento, soube que estávamos nos buscando há muitos anos e que aquela busca finalmente se tinha encerrado para sempre.